EUA e Reino Unido anunciam parceria histórica em inteligência artificial

Em uma iniciativa que muitos especialistas consideram um divisor de águas na regulação de tecnologias emergentes, os Estados Unidos e o Reino Unido assinaram um acordo bilateral para colaboração em segurança de inteligência artificial (IA). O memorando de entendimento, celebrado em abril de 2024, estabelece compromissos em comum para testar, avaliar e mitigar riscos associados a modelos de IA avançados.

O que prevê o acordo

O pacto prevê, entre outros pontos:

  • Desenvolvimento conjunto de métodos “robustos” para avaliação da segurança de ferramentas e sistemas de IA.

  • Compartilhamento de pesquisas técnicas, capacidades, riscos e experiências entre os institutos de segurança de IA de ambos os países — inclusive com possibilidade de trocas de pessoal.

  • Realização de pelo menos um exercício prático conjunto de teste sobre um modelo público de IA (publicly accessible).

  • Compromisso com padrões que protejam saúde, segurança, direitos fundamentais e o meio ambiente perante possíveis efeitos adversos das tecnologias.

É a primeira vez que os dois países formalizam uma colaboração deste tipo focada especificamente na segurança da IA.

Contexto e motivação

O avanço veloz de modelos de IA — em especial os de “linguagem grande” (large language models, LLMs) — vem suscitando preocupações globais quanto a segurança, confiança e impactos sociais.

No Reino Unido, o Acordo surge como desdobramento das discussões iniciadas no AI Safety Summit, realizado em Bletchley Park em 2023, que reuniu lideranças de tecnologia, pesquisadores e formuladores de políticas preocupados com os perigos e dilemas éticos da IA.

Do lado americano, há pressão para regulamentar moderadamente — garantindo inovação — sem sufocar o potencial transformador dessas tecnologias. Operações, segurança nacional, privacidade e transparência são temas-chave nos debates domésticos.

Importância internacional

O acordo EUA-Reino Unido repercute em vários níveis:

  1. Normativo: serve como modelo para outros países que buscam estrutura regulatória para IA, especialmente na questão de segurança e ética.

  2. Estratégico: em um mundo com rivalidades tecnológicas — sobretudo envolvendo China, União Europeia, e outras potências — alianças como essa reforçam liderança ocidental no desenvolvimento e gestão de IA.

  3. Técnico-científico: o compartilhamento de metodologias e de punições práticas traz maior transparência e melhora as chances de detectar falhas antes que causem danos, além de aumentar a confiança do público e de investidores.

  4. Mercado e inovação: ao definir critérios de avaliação e segurança, o acordo ajuda a orientar empresas, startups e centros de pesquisa sobre padrões que podem se tornar requisitos regulatórios futuros, reduzindo incertezas.

Desafios e críticas

Apesar do entusiasmo, o acordo também enfrenta críticas e desafios:

  • Implementação técnica: alinhar metodologias de avaliação de segurança entre duas nações com ecossistemas tecnológicos distintos não é tarefa trivial. Questões como quais métricas usar, definições de risco aceitável, como tratar modelos proprietários vs. de código aberto, etc., exigem muita negociação.

  • Transparência vs. segredo comercial: empresas de IA podem relutar em compartilhar dados, modelos ou práticas que consideram sensíveis ou estratégicas, o que pode limitar a profundidade da colaboração.

  • Regulação global: embora o acordo seja bilateral, muitos riscos de IA são transnacionais — deepfakes, desinformação, manipulação, uso militar — e exigem acordos mais amplos ou regras internacionais com força legal. O Reino Unido e os EUA têm participado de iniciativas nesse sentido, mas não sem divergências.

  • Velocidade da inovação contra lentidão das políticas: as empresas de IA avançam rápidamente, em ritmo que frequentemente supera a capacidade de regulação ou de normas formais. Há risco de que a legislação ou os acordos de segurança fiquem defasados.

Repercussão política

Políticamente, o acordo reflete uma convergência de interesses em segurança nacional e competitividade tecnológica. Os governos reconhecem que IA não é só uma questão de inovação econômica, mas de soberania digital, de influência global, de capacidade de mitigar riscos — inclusive de segurança.

No Reino Unido, o governo liderado por Keir Starmer tem enfatizado a necessidade de equilibrar o desenvolvimento tecnológico com valores éticos e salvaguardas de segurança.

Nos Estados Unidos, as autoridades — da Casa Branca ao Congresso — têm sido pressionadas para criar regulações mais claras para IA, assegurando que empresas não ajam de forma irresponsável, preservando privacidade, direitos humanos e evitando abusos. A cooperação com o Reino Unido pode oferecer credibilidade internacional e um modelo de referencial para medidas regulatórias.

Possíveis desdobramentos

A longo prazo, esse acordo pode gerar:

  • Normas conjuntas e frameworks avaliativos que se tornem referência internacional.

  • Pressão para que outras economias — União Europeia, Índia, Brasil, países asiáticos — se alinhem ou criem acordos similares.

  • Desenvolvimento de regulamentações nacionais que incorporem os termos desse pacto como requisitos formais para comercialização ou uso seguro de IA.

  • Aumento do escrutínio público, da academia e da sociedade civil sobre os usos de IA, e maior exigência de responsabilidade pelas empresas desenvolvedoras.

  • Potenciais tensões diplomáticas ou econômicas caso essas normas afetem competitividade ou acesso ao mercado por empresas estrangeiras que não participem ou não compartilhem os mesmos padrões de segurança.

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