Crise de metanol: Anvisa pede ajuda internacional para obter antídoto

Nos últimos meses, o Brasil tem enfrentado uma preocupação crescente com casos de intoxicação por metanol, uma substância altamente tóxica que pode ser encontrada em bebidas alcoólicas adulteradas e até em alguns solventes industriais. Diante da gravidade dos episódios registrados e do aumento do risco em determinadas regiões, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) anunciou que busca apoio internacional para adquirir o antídoto específico capaz de reverter os efeitos dessa intoxicação.

A iniciativa ocorre em um cenário de alerta sanitário, em que autoridades de saúde tentam evitar mortes e sequelas graves decorrentes da ingestão acidental ou criminosa de metanol, uma substância que não deve ser consumida em hipótese alguma.

O que é o metanol e por que é tão perigoso?

O metanol, também conhecido como álcool metílico, é um líquido incolor, inflamável e muito semelhante ao etanol, o álcool presente em bebidas alcoólicas. Essa semelhança, no entanto, esconde um perigo mortal: o metanol não é metabolizado pelo organismo da mesma forma que o etanol. Quando ingerido, ele é convertido em substâncias altamente tóxicas, como formaldeído e ácido fórmico, que atacam principalmente o sistema nervoso central, os rins e os olhos.

Bastam pequenas quantidades para provocar efeitos devastadores. Ingerir entre 10 e 30 mililitros de metanol pode causar cegueira irreversível, enquanto doses um pouco maiores podem ser fatais. Os sintomas iniciais da intoxicação incluem dor de cabeça, tontura, náusea, vômitos e dificuldade para respirar. Horas depois, podem surgir alterações visuais graves, convulsões, coma e até a morte.

No Brasil, casos de intoxicação por metanol costumam estar associados à falsificação de bebidas alcoólicas, especialmente cachaças e vodcas vendidas de forma clandestina. O baixo custo do metanol e sua semelhança com o etanol fazem com que criminosos o utilizem ilegalmente para aumentar o volume de bebidas.

O desafio da falta do antídoto no Brasil

O tratamento da intoxicação por metanol exige atendimento rápido e especializado. Em muitos casos, o suporte médico com ventilação mecânica, hemodiálise e correção de distúrbios metabólicos é necessário. No entanto, existe um recurso terapêutico considerado fundamental: o uso de antídotos como o fomepizol ou o próprio etanol em ambiente hospitalar controlado.

O fomepizol é hoje o medicamento de primeira escolha no combate à intoxicação por metanol, por inibir a enzima responsável por transformar o metanol em substâncias tóxicas no organismo. O problema é que esse fármaco não é produzido no Brasil e sua aquisição depende de importação. Além disso, trata-se de um medicamento de alto custo e com disponibilidade limitada em todo o mundo.

Diante dessa realidade, a Anvisa iniciou conversas com organismos internacionais, como a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e a Organização Mundial da Saúde (OMS), além de contatos com governos de outros países, para viabilizar a compra emergencial de estoques do antídoto.

Anvisa mobiliza esforços internacionais

Segundo informações da própria agência, o objetivo é garantir que o Brasil tenha acesso rápido ao fomepizol e possa distribuir o medicamento a hospitais estratégicos em diferentes regiões do país. A Anvisa argumenta que, além de salvar vidas em casos confirmados, a disponibilidade do antídoto pode acelerar diagnósticos, já que médicos terão mais segurança em iniciar o tratamento diante de suspeitas clínicas.

A cooperação internacional se faz necessária porque a produção do fomepizol está concentrada em poucos países, como Estados Unidos e alguns da Europa. O medicamento costuma ser usado em baixa escala em todo o mundo, mas em situações emergenciais — como surtos de intoxicação por bebidas adulteradas — a demanda aumenta rapidamente, tornando o acesso ainda mais desafiador.

Fontes ligadas ao setor de saúde destacam que o Brasil não é o único país a enfrentar problemas desse tipo. Na última década, diversos surtos de intoxicação por metanol foram registrados em países da América Latina, Ásia e África, sempre com desfechos graves. Por isso, a articulação com organismos internacionais pode ser estratégica não apenas para a importação, mas também para a criação de estoques regionais de emergência.

Histórico de surtos no Brasil e no mundo

Embora não sejam comuns em larga escala, os episódios de intoxicação por metanol têm deixado marcas significativas ao longo da história. No Brasil, surtos já foram identificados em estados como Minas Gerais, São Paulo e Ceará, em sua maioria ligados a bebidas alcoólicas clandestinas. Em alguns casos, dezenas de pessoas foram hospitalizadas, e mortes foram registradas.

No exterior, tragédias envolvendo o metanol são ainda mais frequentes. Em 2019, na Índia, mais de 90 pessoas morreram após consumir bebidas adulteradas. Em 2020, durante a pandemia de Covid-19, o Irã registrou centenas de mortes após boatos de que beber álcool poderia prevenir a doença — muitas dessas bebidas estavam contaminadas com metanol.

Esses casos reforçam a necessidade de medidas de vigilância, campanhas educativas e, principalmente, a disponibilidade do antídoto para salvar vidas em situações de emergência.

Impactos no sistema de saúde

Um dos maiores desafios da intoxicação por metanol é o custo humano e financeiro que ela impõe ao sistema de saúde. Pacientes intoxicados frequentemente precisam de internações prolongadas em unidades de terapia intensiva (UTI), hemodiálise e acompanhamento oftalmológico. Mesmo os que sobrevivem podem ter sequelas irreversíveis, como perda total ou parcial da visão.

A falta do antídoto adequado agrava esse cenário, já que o tratamento se torna mais complexo, oneroso e com menor taxa de sucesso. Por isso, especialistas defendem que a aquisição emergencial de fomepizol deve ser vista como prioridade nacional, considerando o impacto positivo em termos de vidas salvas e na redução da sobrecarga hospitalar.

O papel da fiscalização e da conscientização

Enquanto a Anvisa busca soluções internacionais para garantir o antídoto, outras frentes também precisam ser reforçadas. A principal delas é a fiscalização da produção e comercialização de bebidas alcoólicas no Brasil.

A Polícia Federal, em conjunto com órgãos estaduais, frequentemente realiza operações contra fábricas clandestinas de bebidas, mas a demanda por produtos mais baratos continua impulsionando esse mercado ilegal. Para especialistas, é fundamental intensificar as ações de combate à falsificação, ao mesmo tempo em que se investe em campanhas de conscientização para alertar a população sobre os riscos de consumir bebidas sem procedência.

Outro ponto levantado por médicos é a necessidade de treinar profissionais de saúde em hospitais de pequeno e médio porte para reconhecer rapidamente os sintomas de intoxicação por metanol. Muitas vezes, o diagnóstico é confundido com outras condições clínicas, atrasando o tratamento e reduzindo as chances de recuperação.

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