Cera de ouvido pode se tornar aliada na detecção precoce do câncer, aponta estudo
A medicina avança constantemente na busca por métodos de diagnóstico mais rápidos, precisos e menos invasivos. Nesse cenário, uma pesquisa inédita conduzida por uma universidade brasileira tem chamado a atenção da comunidade científica internacional: o estudo revelou que a cera de ouvido pode ser uma importante aliada na detecção precoce de diferentes tipos de câncer.
A descoberta abre caminho para uma nova forma de diagnóstico que pode, no futuro, se tornar parte do acompanhamento médico de rotina, auxiliando na identificação de doenças de forma simples e acessível.
O estudo inovador
Pesquisadores da área de biomedicina e otorrinolaringologia de uma renomada universidade federal brasileira iniciaram o projeto há cerca de cinco anos. A ideia surgiu a partir da observação de que a cera de ouvido — também chamada de cerúmen — é rica em compostos químicos, proteínas, lipídios e outras substâncias que refletem o metabolismo do corpo humano.
Assim como exames de sangue e urina podem indicar desequilíbrios no organismo, o cerúmen, por ser produzido de forma contínua pelas glândulas presentes no canal auditivo, pode revelar alterações fisiológicas e até sinais de doenças em desenvolvimento.
Durante os testes, os cientistas coletaram amostras de cera de ouvido de voluntários saudáveis e de pacientes diagnosticados com diferentes tipos de câncer, como o de mama, pulmão e próstata. Ao analisar os compostos presentes no material, foi possível identificar padrões químicos distintos entre pessoas saudáveis e aquelas com tumores em estágio inicial ou avançado.
Como a cera de ouvido pode revelar doenças
A cera de ouvido é formada por secreções das glândulas sebáceas e ceruminosas, misturadas a resíduos de pele e outros elementos. Sua principal função é proteger o canal auditivo contra bactérias, fungos e partículas externas. No entanto, por ser resultado direto de processos metabólicos do corpo, ela carrega informações valiosas sobre o estado de saúde de uma pessoa.
De acordo com os pesquisadores, o câncer altera o metabolismo celular e gera substâncias chamadas biomarcadores, que podem ser detectadas em diferentes fluidos e secreções do organismo. No caso da cera, esses biomarcadores ficam “armazenados” por mais tempo do que no sangue, que é renovado constantemente. Isso significa que o exame de cerúmen pode oferecer uma visão mais estável das alterações internas do corpo.
“Descobrimos que a cera funciona como uma espécie de ‘caixa-preta’ da saúde do indivíduo. Ela registra e preserva informações bioquímicas que podem indicar desde infecções até doenças graves, como o câncer”, explicou o coordenador da pesquisa em entrevista coletiva.
Vantagens em relação a outros exames
A detecção precoce do câncer é um dos maiores desafios da medicina. Muitas vezes, os sintomas só aparecem em estágios avançados, o que dificulta o tratamento e reduz as chances de cura. Atualmente, exames como biópsias, ressonâncias magnéticas e tomografias são utilizados para identificar a doença, mas esses métodos podem ser caros, invasivos e de difícil acesso para parte da população.
Nesse sentido, o exame de cera de ouvido apresenta uma série de vantagens:
Não invasivo: a coleta do material é simples e indolor, podendo ser feita em consultórios ou até em casa.
Baixo custo: por não exigir equipamentos complexos, o exame pode ser muito mais barato que métodos tradicionais.
Maior acessibilidade: com a padronização da técnica, clínicas populares e postos de saúde poderiam oferecer o exame em larga escala.
Monitoramento contínuo: como a cera se acumula ao longo do tempo, seria possível acompanhar mudanças metabólicas de forma periódica.
Próximos passos da pesquisa
Apesar dos resultados promissores, os cientistas destacam que o método ainda está em fase experimental. Para que o exame seja aprovado para uso clínico, é necessário realizar testes em um número muito maior de pessoas, abrangendo diferentes faixas etárias, tipos de câncer e condições de saúde.
Outro desafio é desenvolver kits de diagnóstico rápidos e acessíveis, que possam analisar o cerúmen em poucos minutos, semelhante a testes de glicemia ou de covid-19. Esses kits precisariam ser validados por órgãos reguladores como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) antes de chegar ao mercado.
Os pesquisadores também estudam se a cera pode ajudar na detecção de outras doenças além do câncer, como diabetes, doenças neurodegenerativas (Alzheimer e Parkinson) e até distúrbios hormonais.
Repercussão internacional
A pesquisa brasileira tem despertado interesse de laboratórios estrangeiros e de universidades da Europa e da Ásia, que já sinalizaram interesse em firmar parcerias. A possibilidade de desenvolver um exame simples, barato e eficiente para identificar câncer em estágios iniciais pode representar uma revolução na medicina preventiva.
Em publicações científicas internacionais, especialistas ressaltaram que a descoberta reforça a importância de se investigar materiais biológicos pouco explorados. “Durante décadas, a medicina concentrou-se em sangue, urina e saliva. O cerúmen, por muito tempo negligenciado, pode ser uma verdadeira mina de informações sobre o corpo humano”, comentou um pesquisador espanhol em editorial publicado em revista médica.
O que dizem os médicos
Médicos oncologistas e otorrinolaringologistas no Brasil veem a descoberta com entusiasmo, mas também com cautela. Eles ressaltam que, embora a técnica seja promissora, ainda é cedo para substituí-la por exames já consolidados.
“É preciso compreender que a ciência caminha em etapas. O estudo abre uma perspectiva incrível, mas ainda precisamos de mais evidências, padronização e testes clínicos em larga escala”, destacou uma médica oncologista do Instituto Nacional de Câncer (INCA).
Além disso, especialistas reforçam que a detecção do câncer envolve uma combinação de métodos, incluindo exames de imagem, laboratoriais e acompanhamento clínico. A cera de ouvido, nesse contexto, seria mais um aliado na luta contra a doença, e não um substituto imediato.
Impacto na saúde pública
Caso o exame baseado em cera de ouvido seja confirmado como eficaz, seu impacto na saúde pública pode ser enorme. Em países como o Brasil, onde os sistemas de saúde enfrentam dificuldades de acesso e altos custos de exames complexos, a nova técnica poderia permitir diagnósticos precoces em larga escala, salvando milhares de vidas.
Segundo estimativas do Instituto Nacional de Câncer, mais de 700 mil novos casos da doença devem ser diagnosticados no país até 2025. Se parte desses casos puder ser identificada ainda no início, as chances de cura aumentam significativamente e os custos de tratamento são reduzidos.
Além disso, a simplicidade da coleta pode permitir que regiões remotas e carentes, muitas vezes sem acesso a laboratórios avançados, também sejam contempladas com diagnósticos mais precisos.
O futuro da medicina preventiva
O estudo brasileiro reforça uma tendência mundial: a busca por métodos de diagnóstico menos invasivos, mais baratos e capazes de detectar doenças antes do aparecimento dos sintomas. Testes de saliva, suor, lágrimas e até respiração já vêm sendo estudados como fontes alternativas de biomarcadores.
A cera de ouvido, agora incluída nessa lista, pode se tornar protagonista em um futuro próximo. A expectativa é que, nos próximos anos, o exame esteja disponível em versões simplificadas, complementando o arsenal de ferramentas médicas na prevenção do câncer.