Projeto contra falsificação de bebidas ganha prioridade na Câmara dos Deputados

A Câmara dos Deputados aprovou, em sessão marcada por debates intensos, o pedido de urgência para a tramitação de um projeto de lei que prevê o endurecimento das penas aplicadas a crimes de falsificação, adulteração ou venda irregular de bebidas alcoólicas no Brasil. A medida, que deve avançar de forma acelerada nas próximas semanas, ganhou destaque em meio ao aumento de casos de intoxicação envolvendo produtos clandestinos, muitos deles com metanol, substância altamente tóxica.
Com a urgência aprovada, a proposta não precisará passar pelas comissões da Casa e poderá ser votada diretamente no plenário. Parlamentares favoráveis ao projeto ressaltam que a falsificação de bebidas é uma prática criminosa que ameaça não apenas a economia formal, mas sobretudo a saúde pública.
Por que o projeto entrou em pauta
O crescimento no número de apreensões de bebidas adulteradas em diferentes estados do país trouxe o tema de volta à agenda legislativa. Segundo dados divulgados recentemente pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, operações conjuntas da Polícia Federal e da Receita Federal resultaram na apreensão de milhares de garrafas falsificadas só em 2024.
Em muitos desses casos, investigações revelaram a presença de substâncias químicas proibidas, como o metanol, usado para aumentar o teor alcoólico de forma ilegal. A ingestão desse composto pode causar cegueira e até levar à morte. Esses episódios acenderam o alerta entre autoridades e pressionaram o Congresso a avançar em medidas mais duras.
O que muda com a proposta
Atualmente, o Código Penal já prevê punições para a falsificação e adulteração de bebidas, mas as penas são consideradas brandas por especialistas e parlamentares. O projeto em análise propõe aumentar o tempo de prisão para quem fabricar, distribuir ou vender produtos adulterados, além de prever multas mais altas e possibilidade de fechamento imediato dos estabelecimentos envolvidos.
Entre as principais mudanças previstas estão:
Aumento da pena de reclusão: a punição, que hoje varia entre 1 a 5 anos, pode chegar a até 8 anos, dependendo da gravidade e do risco à saúde causado.
Multas mais severas: valores aplicados aos infratores serão reajustados, visando desestimular financeiramente a prática.
Responsabilização da cadeia de distribuição: bares, restaurantes e comerciantes que adquirirem bebidas sem nota fiscal ou sem comprovação de origem também poderão ser punidos.
Confisco imediato de mercadoria: produtos suspeitos poderão ser apreendidos e destruídos pelas autoridades sanitárias e policiais.
Deputados favoráveis afirmam que a intenção não é apenas aumentar as penas, mas tornar o crime menos vantajoso para quadrilhas que lucram com a falsificação.
Argumentos dos defensores da proposta
Durante o debate no plenário, parlamentares ressaltaram que o endurecimento da lei tem caráter preventivo e educativo. O deputado que apresentou o projeto destacou que a falsificação de bebidas é um problema que atravessa décadas no Brasil, mas ganhou novas dimensões com a facilidade de produção e distribuição clandestina.
“Não estamos falando apenas de sonegação fiscal ou concorrência desleal. Estamos tratando de vidas humanas. A cada garrafa adulterada, alguém corre risco de sofrer uma intoxicação grave. É uma questão de saúde pública e de responsabilidade do Estado”, afirmou.
Outro ponto defendido é a proteção da indústria nacional de bebidas. Grandes fabricantes e pequenos produtores legais enfrentam prejuízos significativos com a concorrência desleal de produtos falsificados, vendidos muitas vezes a preços bem abaixo do mercado. Estimativas da Associação Brasileira de Bebidas (Abrabe) indicam que o setor perde bilhões de reais por ano em arrecadação e faturamento por conta desse tipo de crime.
Críticas e preocupações levantadas
Apesar do apoio majoritário, alguns deputados levantaram questionamentos sobre os efeitos práticos da proposta. Uma das críticas é que o aumento da pena, por si só, não garante a redução dos crimes, especialmente em um sistema prisional já sobrecarregado.
Outro ponto citado foi a necessidade de reforçar a fiscalização e os investimentos em inteligência policial. Sem isso, argumentam críticos, a lei pode se tornar apenas mais um dispositivo punitivo sem eficácia real.
Organizações de defesa do consumidor também alertam para a importância de campanhas educativas. “Muitos consumidores ainda não sabem identificar uma bebida adulterada. A lei é necessária, mas precisa vir acompanhada de informação clara para a população”, destacou uma representante de entidade ligada ao setor de saúde.
Casos recentes reforçam urgência
A aprovação do regime de urgência foi influenciada também pela repercussão de casos recentes de intoxicação em diferentes estados. Em um deles, no interior de São Paulo, dezenas de pessoas foram hospitalizadas após consumir uma bebida artesanal comprada em um comércio local. Laudos confirmaram a presença de metanol no produto.
No Nordeste, autoridades desarticularam uma fábrica clandestina que produzia milhares de garrafas por semana, rotuladas como marcas famosas. O material era distribuído em festas e bares da região, com risco potencial para milhares de consumidores.
Esses episódios foram usados como exemplos durante os discursos de parlamentares que pediram celeridade na tramitação.
Impactos esperados para o setor
Especialistas em direito penal avaliam que o projeto pode, de fato, trazer maior segurança jurídica e desestimular práticas criminosas, desde que acompanhado de políticas complementares. Para o setor produtivo, a expectativa é de que a aprovação represente uma proteção maior contra o comércio ilegal.
Pequenos produtores, especialmente de cachaça artesanal e vinhos regionais, defendem a medida. Muitos relatam que enfrentam desconfiança dos consumidores devido à proliferação de falsificações, o que prejudica a imagem de quem trabalha de forma regularizada.
Já comerciantes formais esperam que a lei contribua para equilibrar a concorrência. “Enquanto seguimos pagando impostos e cumprindo todas as exigências da vigilância sanitária, há quem venda garrafas adulteradas pela metade do preço. Isso é insustentável”, disse um representante de associação de bares.
O próximo passo no Congresso
Com a urgência aprovada, o projeto pode ser colocado em votação no plenário da Câmara a qualquer momento, dependendo da pauta definida pelo presidente da Casa. Caso aprovado, seguirá para o Senado Federal.
O governo, por sua vez, sinalizou apoio à medida, destacando a relevância do tema para a saúde pública e a economia. Há expectativa de que o texto avance rapidamente e possa ser sancionado ainda em 2025, antes do período das festas de fim de ano, quando o consumo de bebidas alcoólicas aumenta.
A falsificação como crime organizado
Autoridades de segurança pública ressaltam que a falsificação de bebidas não é um crime isolado, mas parte de esquemas maiores de contrabando e lavagem de dinheiro. Quadrilhas envolvidas nesse tipo de atividade frequentemente atuam em conjunto com redes criminosas que exploram outros setores ilegais, como o tráfico de drogas e o comércio de cigarros contrabandeados.
Nesse sentido, o endurecimento das penas também é visto como uma forma de desarticular organizações que operam em múltiplas frentes, aproveitando brechas da legislação para se manter ativas.