Governo estuda CNH sem autoescola: como seria o novo modelo e os desafios em debate

O governo federal, por meio do Ministério dos Transportes, planeja uma reformulação significativa no processo de obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (CNH).
A proposta central: eliminar a obrigatoriedade de frequentar autoescolas para conquistar a habilitação nas categorias A (motocicleta) e B (automóvel).
O tema vem ganhando atenção pública e gerando debates acalorados em diversos setores — do trânsito ao mercado de ensino prático de direção.
A ideia foi antecipada pelo ministro dos Transportes, Renan Filho, e está atualmente sob análise na Casa Civil, aguardando regulamentações posteriores no âmbito do Contran.
Por que propor esse modelo?
A justificativa oficial para a mudança é a redução de custos no processo de habilitação. O Ministério dos Transportes estima que o novo modelo poderia baixar o valor da CNH em até 80%.
Segundo dados apurados, cerca de 77% do custo atual de habilitação se refere ao investimento nas aulas teóricas e práticas pelas autoescolas.
Além disso, o governo argumenta que há um número elevado de pessoas circulando sem CNH no país. A proposta tem como objetivo romper essa barreira de acesso, democratizar a habilitação e tornar o processo mais atrativo para quem hoje não possui recursos para arcar com o modelo tradicional.
O que mudaria?
Se aprovada, a nova sistemática permitiria diferentes formas de preparação do candidato:
Estudo teórico autônomo ou digital: em vez de 45 horas obrigatórias de aulas presenciais, o candidato poderia optar por cursos online, material digital disponibilizado pela Senatran ou ensino presencial nos Centros de Formação de Condutores (CFCs) para quem preferir.
Aulas práticas facultativas: atualmente, é exigido cumprir 20 horas de aulas práticas em veículos de autoescola. No novo modelo, essa exigência seria flexibilizada — o candidato poderia se preparar sozinho ou com instrutores autônomos credenciados.
Exames obrigatórios mantidos: continuam obrigatórios os testes de aptidão física e mental, a prova teórica e a prova prática aplicadas pelos Detrans. O que muda é como o candidato se prepara para essas provas.
Instrutores autônomos credenciados: uma inovação prevista é permitir que instrutores não vinculados a autoescolas ofereçam aulas práticas credenciadas pelos Detrans.
Credenciamento e processo digital: o projeto prevê que a abertura do processo para tirar a CNH poderá ser feito via site da Senatran ou pela Carteira Digital de Trânsito (CDT).
Ainda não há data definida para implementação, pois o projeto ainda precisa passar por regulamentações no Contran e, possivelmente, pela consulta pública.
Benefícios esperados com a mudança na CNH
Se o novo modelo for adotado, a redução de valores esperada é expressiva. Para muitos estados, o custo médio de tirar a CNH atualmente ultrapassa R$ 3 mil, dos quais cerca de 70% a 80% correspondem às taxas da autoescola.
Com a flexibilização, o governo acredita que será possível abaratar em até 80% os valores para as categorias A e B, ao liberar o candidato da dependência da estrutura física e operacional das autoescolas.
Essa redução pode abrir caminho para que muitas pessoas que hoje sequer cogitam a CNH por barreras econômicas possam buscar sua habilitação. A frase “baratear, tornar mais acessível” tem sido usada com frequência pela pasta como justificativa para o projeto.
Resistência e críticas de entidades e especialistas
Contudo, a proposta não é unânime. Autoescolas e entidades do setor já demonstram forte oposição ao projeto. Em Brasília, instrutores realizaram protestos e uma carreata em defesa da manutenção do modelo atual.
A Feneauto (Federação Nacional das Autoescolas e Centros de Formação de Condutores) alerta que o projeto pode levar ao fechamento de milhares de empresas do ramo, estimando impacto negativo nos empregos do setor.
Outra crítica central é a preocupação com segurança no trânsito: a exigência das aulas, segundo essas entidades, serve para educar condutores de forma uniforme e presencial, algo que não poderia ser substituído totalmente por autoaprendizado.
Especialistas em trânsito também destacam que uma mudança desse porte exige um ambiente favorável de conscientização e cultura de respeito às leis de trânsito — fatores que variam muito em diferentes regiões do país.
Além disso, representantes dos Detrans, por meio da Associação Nacional de Detrans (AND), afirmam estar avaliando tecnicamente a proposta e exigem que qualquer mudança preserve a qualidade da formação de condutores.
Relação com a CNH Social
O debate sobre o CNH sem autoescola surge logo após a sanção da Lei da CNH Social (Lei nº 15.153/2025). Essa lei permite que recursos de multas de trânsito sejam usados para custear a habilitação de pessoas de baixa renda.
A CNH Social já está em vigor desde 12 de agosto de 2025, beneficiando pessoas inscritas no CadÚnico e com renda familiar restrita.
A proximidade entre a implementação desse programa e a proposta de flexibilizar o sistema de autoescola melhora o discurso governamental de acesso universal à habilitação, mas também reforça receios de que mudanças profundas no modelo tradicional poderiam ocorrer em curto prazo, sem debates adequados.