O preço da perfeição: como a Apple perdeu o rumo no design

A saber, nos últimos anos, a Apple tem passado por uma transformação silenciosa, porém profunda: o afastamento das figuras icônicas que moldaram o design e a identidade visual da empresa.
Desde a saída de Jony Ive, em 2019, até a recente reestruturação interna da equipe de design industrial, especialistas e fãs da marca apontam para um “vácuo de liderança” — uma lacuna criativa que começa a afetar a forma como a Apple concebe seus produtos.
A questão é: até que ponto essa mudança pode comprometer o futuro da empresa mais valiosa do mundo?
A era de ouro do design sob Jony Ive
Para entender o que está em jogo, é preciso olhar para trás. Jonathan Ive, ou “Jony”, como era conhecido dentro da Apple, foi o principal responsável pela revolução estética iniciada por Steve Jobs nos anos 1990. Sob sua direção, nasceram ícones como o iMac colorido, o iPod, o iPhone e o MacBook Air — produtos que redefiniram não apenas a tecnologia, mas também o conceito de design minimalista e funcional.
Ive acreditava que “o design não é apenas como algo parece, mas como funciona”. Essa filosofia se tornou a base da identidade da Apple, fazendo com que seus produtos fossem instantaneamente reconhecíveis pela pureza das linhas, pelos materiais premium e pela integração harmoniosa entre hardware e software.
Sua saída, em 2019, marcou o fim de uma era. Embora Ive tenha continuado a colaborar com a empresa por meio de sua consultoria LoveFrom, o vínculo criativo que antes guiava a Apple em todas as suas decisões de design foi se enfraquecendo aos poucos.
Um novo ciclo sem uma figura central
Desde então, o setor de design da Apple tem operado de forma mais descentralizada. O sucessor de Ive, Evans Hankey, assumiu a vice-presidência de design industrial, mas sua gestão foi discreta e de curta duração — ela deixou o cargo em 2023. Com sua saída, a empresa optou por não nomear um novo líder visível para o departamento.
Hoje, o time de design responde diretamente a Jeff Williams, diretor de operações (COO), uma decisão que muitos consideram simbólica. Em vez de uma mente criativa no comando, o design passou a estar subordinado à gestão operacional, um sinal de que a Apple estaria priorizando eficiência e rentabilidade em detrimento da inovação estética.
Críticas crescentes e a percepção de estagnação
Nos últimos lançamentos, como o iPhone 17 e o novo Apple Watch Ultra, a crítica especializada tem notado uma tendência à repetição. As linhas gerais dos produtos pouco mudaram, e as grandes novidades parecem vir mais do software e dos recursos de inteligência artificial do que do design físico.
“Há uma sensação de que a Apple está jogando seguro”, diz Mark Gurman, jornalista da Bloomberg especializado em tecnologia. “Os produtos continuam elegantes e bem construídos, mas falta aquele toque ousado e surpreendente que definia a empresa sob Ive.”
Essa percepção tem se refletido até na base de consumidores mais fiéis. Em fóruns e redes sociais, fãs discutem que os novos iPhones “parecem o mesmo produto todo ano”, e que a Apple “perdeu o fator wow” — expressão usada para descrever o impacto visual e emocional que os lançamentos costumavam provocar.
As consequências de um vácuo criativo
A ausência de uma liderança de design clara não é apenas uma questão estética; ela impacta diretamente o posicionamento da Apple no mercado global. O design sempre foi um diferencial competitivo crucial, justificando o preço premium de seus produtos e fortalecendo a percepção de qualidade e exclusividade.
Sem uma figura de referência, o processo criativo tende a se tornar mais burocrático e menos visionário. Decisões passam por múltiplas camadas de aprovação, e o foco no detalhe — marca registrada da Apple — pode se diluir. Analistas afirmam que essa mudança estrutural pode afetar a capacidade da empresa de lançar produtos verdadeiramente disruptivos, algo essencial em um mercado cada vez mais competitivo, com rivais como Samsung, Google e empresas chinesas inovando rapidamente.
Tim Cook e o desafio do equilíbrio
Desde que assumiu o comando após a morte de Steve Jobs, em 2011, Tim Cook tem sido elogiado por sua eficiência operacional e por transformar a Apple em uma máquina de lucros. Sob sua liderança, a empresa diversificou receitas, investiu em serviços como Apple Music, iCloud e Apple TV+, e aumentou sua presença em mercados emergentes.
No entanto, críticos apontam que o foco de Cook sempre foi mais financeiro do que criativo. Ele é reconhecido como um estrategista brilhante, mas não como um visionário de produto — papel que Jobs e Ive desempenhavam de forma quase simbiótica.
“O problema não é Tim Cook ser um executivo de operações”, observa o analista Benedict Evans. “O problema é que a Apple sempre prosperou quando teve alguém com uma visão estética clara no comando. Sem essa força criativa, a empresa corre o risco de se tornar previsível.”
A influência da inteligência artificial no design
Outro ponto crucial nessa discussão é o avanço da inteligência artificial (IA) na concepção de produtos. Fontes próximas à Apple indicam que a empresa está apostando em ferramentas de IA generativa para acelerar processos de prototipagem e simulação de design.
Embora essa abordagem possa aumentar a eficiência e reduzir custos, há quem tema que ela substitua a intuição humana — um elemento essencial no estilo “orgânico” que sempre caracterizou o design da Apple.
Especialistas alertam que, se o uso da IA não for acompanhado de uma direção artística forte, o risco é criar produtos tecnicamente perfeitos, mas emocionalmente vazios. O consumidor pode não saber explicar por quê, mas sentirá falta do “toque humano” que diferenciava os produtos da marca.
Comparações inevitáveis com o passado
A ausência de um nome forte no design reacende comparações com o passado da empresa. Nos anos 1980, antes do retorno de Steve Jobs, a Apple também viveu um período de estagnação criativa, lançando produtos tecnicamente competentes, porém sem identidade marcante.
Foi apenas com a volta de Jobs e a parceria com Jony Ive que a empresa reencontrou sua alma — resultando em uma década de ouro para o design industrial. Muitos observadores veem paralelos entre aquele momento e o atual, e se perguntam se a história pode se repetir.
A busca por um novo líder
Rumores recentes indicam que a Apple estaria buscando discretamente uma nova liderança para o design. Segundo fontes do setor, a empresa avalia tanto nomes internos quanto talentos externos com experiência em design automotivo e de produtos de consumo.
Essa busca reflete a importância estratégica que o design ainda tem para a companhia. Mesmo que a Apple esteja focada em tecnologias emergentes, como realidade aumentada e inteligência artificial, a experiência física do produto continua sendo o ponto de contato mais poderoso com o usuário.