Golpe no BPC: Quadrilha desvia R$ 30 milhões e é desarticulada pela PF

Uma operação deflagrada recentemente pela Polícia Federal, em parceria com o Ministério da Previdência Social e o Ministério Público Federal, desarticulou uma quadrilha especializada em fraudes no Benefício de Prestação Continuada (BPC).

O grupo criminoso é acusado de desviar mais de R$ 30 milhões dos cofres públicos por meio da concessão fraudulenta de benefícios destinados a idosos e pessoas com deficiência em situação de vulnerabilidade social.

A investigação, que durou mais de um ano, revelou uma rede bem estruturada de corrupção, que contava com intermediários, servidores públicos corruptos, falsificadores de documentos e “laranjas”. O prejuízo bilionário à Previdência acendeu o alerta sobre a fragilidade no controle da concessão de benefícios sociais no país.

Como funcionava o esquema criminoso

Segundo a Polícia Federal, a quadrilha utilizava documentação falsa para requerer o BPC em nome de pessoas fictícias ou de indivíduos reais que não atendiam aos critérios exigidos por lei. Os criminosos forjavam laudos médicos, declarações de renda, comprovantes de residência e até certidões de nascimento ou óbito.

Em muitos casos, o benefício era solicitado por intermédio de atravessadores, que se passavam por assistentes sociais, advogados ou procuradores.

Esses agentes montavam processos administrativos aparentemente regulares, mas totalmente baseados em dados falsificados. Em troca, recebiam comissões fixas ou mensais dos valores recebidos indevidamente.

Alguns dos beneficiários sequer sabiam que estavam sendo utilizados. Em outras situações, pessoas em situação de vulnerabilidade eram cooptadas para emprestar seus dados em troca de pequenas quantias mensais, sem saber que estavam envolvidas em um esquema de fraude contra a União.

Benefício de Prestação Continuada: o que é e quem tem direito?

O BPC é um benefício assistencial garantido pela Constituição Federal e regulamentado pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS). Ele garante um salário mínimo por mês a idosos com 65 anos ou mais e a pessoas com deficiência de qualquer idade, desde que comprovem baixa renda familiar — ou seja, renda mensal por pessoa inferior a 1/4 do salário mínimo.

O benefício não exige contribuição prévia ao INSS, diferentemente da aposentadoria. Ele é custeado com recursos do governo federal e representa um importante instrumento de amparo social no Brasil. Atualmente, cerca de 5 milhões de brasileiros recebem o BPC.

Operação revelou fragilidades no sistema

A operação que desmontou a quadrilha apontou que a falta de integração entre os sistemas de dados e a ausência de uma fiscalização mais rigorosa permitiram que os criminosos atuassem por vários anos sem serem descobertos.

A atuação da quadrilha foi identificada inicialmente em estados do Nordeste e Sudeste, mas a PF acredita que o esquema possa ter ramificações em outras regiões.

“Os processos administrativos eram muito bem montados, com aparência de legalidade. Isso dificultava a identificação da fraude pelos servidores regulares do INSS”, explicou um delegado envolvido na investigação.

A ausência de visitas domiciliares e de perícias presenciais — especialmente durante a pandemia de Covid-19 — também favoreceu o crescimento do número de fraudes. Em muitos casos, o benefício era concedido apenas com base em documentos enviados pela internet, o que ampliou as brechas para manipulação.

Prisões, apreensões e bloqueios de bens

Durante a operação, batizada de “Prestação Fantasma”, foram cumpridos 28 mandados de prisão preventiva e temporária, além de 42 mandados de busca e apreensão em endereços residenciais, escritórios de advocacia, clínicas médicas e repartições públicas.

Foram apreendidos computadores, celulares, documentos falsos, carimbos médicos, registros do INSS, além de uma quantia superior a R$ 500 mil em espécie. A Justiça Federal também determinou o bloqueio de R$ 12 milhões em bens dos investigados, incluindo imóveis, veículos de luxo e contas bancárias.

Entre os presos, estão servidores do INSS, contadores, advogados, médicos e técnicos de informática. Todos vão responder por crimes como organização criminosa, estelionato contra a União, falsidade ideológica, lavagem de dinheiro e corrupção ativa e passiva.

Reação das autoridades

O ministro da Previdência Social, Carlos Lupi, se manifestou publicamente após a operação e prometeu reforçar os mecanismos de controle e auditoria interna. Segundo ele, o governo já vinha monitorando inconsistências nos dados do BPC, o que permitiu identificar e cruzar informações suspeitas.

“Essa operação é apenas o começo. O combate às fraudes nos benefícios sociais é prioridade do governo. Não podemos permitir que recursos destinados a pessoas vulneráveis sejam desviados por criminosos”, afirmou o ministro.

A presidente do INSS, Glenda Lustosa, também garantiu que o instituto está ampliando o uso de inteligência artificial e cruzamento automatizado de dados para detectar indícios de fraude. “Estamos investindo em tecnologia para melhorar a concessão de benefícios e, ao mesmo tempo, identificar fraudes antes mesmo da liberação dos pagamentos”, disse.

Impacto social e prejuízo aos verdadeiros beneficiários

O desvio de recursos do BPC causa impacto direto na vida de milhões de brasileiros que realmente dependem do benefício para sobreviver. Para especialistas, o rombo de R$ 30 milhões representa um volume suficiente para manter mais de 35 mil beneficiários por um ano.

“Essa fraude não é apenas um crime financeiro. É também uma violência contra a população mais pobre, que muitas vezes enfrenta meses de espera e burocracia para conseguir o benefício”, afirma a assistente social e pesquisadora da UFRJ, Débora Marques.

Ela defende a necessidade de um equilíbrio entre agilidade na concessão e rigor na checagem dos dados. “Não podemos penalizar os legítimos beneficiários por conta da atuação de quadrilhas, mas também precisamos evitar que o sistema continue vulnerável.”

O que muda daqui para frente?

Após a operação, o INSS informou que fará uma revisão minuciosa dos benefícios concedidos nos últimos três anos, com foco especial em perfis de risco e indícios de fraude.

Também está prevista a criação de uma força-tarefa permanente, em parceria com a Polícia Federal e a Controladoria-Geral da União, para monitorar irregularidades de forma contínua.

Além disso, o Ministério da Previdência anunciou que vai priorizar a aprovação de um projeto de lei que prevê penas mais duras para crimes relacionados a benefícios assistenciais e permite o reembolso obrigatório aos cofres públicos em caso de fraude comprovada.

Denúncias e canais de fiscalização

A população também pode contribuir no combate às fraudes. O governo reforçou os canais para denúncias anônimas, como o telefone 135 do INSS, o aplicativo Meu INSS, e a plataforma Fala.BR, da Ouvidoria Geral da União.

Denúncias de benefícios suspeitos, uso de documentos falsos ou atuação de atravessadores devem ser feitas com o maior número possível de detalhes, preferencialmente com documentos ou evidências.

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